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Grand Pas de Quatre de Pugni

Atualizado: 7 de mai. de 2020

Quando quatro mulheres, consideradas rivais se uniram para realizar algo maior.

Recentemente através de um post no instagram @tutu4love compartilhei um pouco sobre esta obra Grand Pas de Quatre de Pugni, e pude perceber o interesse das pessoas em saber mais, pois na legenda, mesmo aproveitando a quantidade máxima de caracteres permitida não foi possível contar tudo.


Aproveitem mais uma história - por trás da história do ballet, contada aqui.

O ano era 1845, e o contrato firmado por Marie Taglioni, Lucile Grahn, Carlotta Grisi e Fanny Cerrito foi um dos mais importantes da temporada lírica, idealizado pelo diretor do Teatro de Sua Majestade, Benjamin Lumley.

Estamos falando de nada menos que as quatro maiores estrelas do ballet na época.

As personificações do ballet romântico, reunidas em um plano arrojado, dançando, juntas em cena para um empolgante divertissement!

A principio a idéia teria sido um trois reunindo Taglioni, Cerrito e Grisi. Mas quando a jovem Lucile Grahn arrebatou o público londrino com seu talento logo em suas primeiras aparições, decidiram incluí-la.

Tal feito teve seus vários estágios registrados por Lumley: “Ninguém poderia estar mais certo do que eu das dificuldades que iria encontrar. Governar um pais não passaria de uma ninharia em comparação com a tarefa de governar súditas como as que supostamente eu comandava, pois aquelas eram súditas que se consideravam acima de qualquer autoridade mortal, ou mais propriamente, cada uma era uma soberana - única, absoluta, suprema!”



Os obstáculos materiais foram facilmente vencidos. Quando souberam que talvez Carlota Grissi não conseguisse deixar Paris a tempo de ensaiar e se apresentar, um navio da Steam Navigation Company foi fretado para, ao primeiro aviso, transportar a sílfide. Um trem especial também foi reservado e estava pronto em Dover, assim como cavalos foram disponibilizados em todo o percurso de Paris a Calais aguardando o momento de ajudar o “vôo” da bailarina.

Durante a execução inúmeras outras dificuldades surgiram. Cada oscilação de cada pé, em cada passo, tudo tinha de ser pensado e pesado exatamente como uma balança. Pois cada uma das bailarinas deveria brilhar dentro do seu estilo e graça peculiares até atingirem o máximo da perfeição; mas sem que nenhuma ultrapassasse a outra (a não ser em sua opinião pessoal).

Com toda arte que só um grande maître de ballet seria capaz de compor, o encarregado da coreografia foi Jules Perrot. Outra lenda da era romântica!

Depois de Giselle, Ondine e La Esmeralda, foi uma escolha óbvia para criar uma homenagem a altura. Perrot era ex partner e professor de três das quatro bailarinas e conhecia bem seus talentos e suas fraquezas.


Tudo parecia estar ajustado, os ensaios começaram e o espetáculo foi anunciado; até que na manhã do acontecimento o espetáculo corria o risco de não acontecer.Essa manhã foi registrada por Lumley : “Enquanto eu estava ocupado com advogados, o pobre Perrot sem ser anunciado em um estado intenso de desespero, pronunciou freneticamente exclamações, arrancou os cabelos e por fim conseguiu tomar fôlego para dizer que tudo estava acabado - que o pas de quatre nunca poderia ser apresentado! ”

“ Quando tudo estivesse pronto eu desejava que Perrot regulasse a ordem a que deveriam obedecer as variações individuais de cada bailarina. O lugar de honra; o último em tais casos (como nos cortejos reais) foi cedido sem hesitação à senhorita Taglioni. Nenhuma das demais solistas que reclamavam direitos iguais baseados no talento e na popularidade queria aparecer antes da outra. (Meu Deus! - exclamava Perrot aflito: Cerrito não quer começar antes de Carlotta - nem Carlotta antes de Ceritto e não a meio de fazerem ceder uma outra.) (…) “A solução é fácil” - eu disse ao pobre Perrot “ A questão do talento deve ser decidida pelo publico, mas há um ponto em que tenho certeza que estas damas são generosas: Que caiba a mais velha o direito da invejada posição.”


Contam que o maître enxugou a testa e sorriu voltando para sala de ensaio. E que as bailarinas sorriam, riram, recuaram e ficaram tão avessas a aceitar o direito à posição quanto antes estavam dispostas a exercê-lo.

O pas quatre foi encenado naquela mesma noite diante de um público inebriado, que nem imaginava como esteve próximo de ser privado do espetáculo tão esperado.

O sucesso foi imenso, e o pas foi recebido por um público quase asfixiado, tamanha era a lotação do teatro, inclusive em todas as noites em que foi apresentado. No dia seguinte era o assunto principal e até os embaixadores em seus relatórios descreviam detalhes.

O The Times qualificou o Pas de Quatre como “ a maior exibição coreográfica jamais vista na Europa - repetimos a frase - Jamais vista na Europa.”

A Ilustrated London News o aclamou como: “Um acontecimento sem comparação na história e que daqui umas quatro décadas poderá ser transmitido a uma nova geração por balletomanes septuagenários como uma das mais brilhantes memórias.”

Para contribuir ainda mais com a nossa imaginação seguem descrições feitas por testemunhas visuais da noite:

Por um crítico da Ilustrated London News: “Todo e qualquer outro sentimento tornou-se admiração quando quando as quatro grandes estrelas se colocaram na posição inicial. Podemos dizer com segurança que nunca presenciamos cena mais perfeita em todas as suas minúcias. O maior dos pintores em sua mais elevada inspiração, dificilmente poderia conceber, e certamente nunca executaria um grupo mais impecável e mais repleto de graça e poesia do que o formado por estas quatro bailarinas; a Taglioni no meio, com a cabeça inclinada para trás, apoiando aparentemente nos braços de sua irmãs. Nenhuma descrição poderá traduzir a deliciosa, quase etérea graça de movimentos e atitudes, e aqueles que testemunharam a cena podem gabar-se de ao menos uma vez, ter visto a perfeição da arte da dança, tão pouco compreendida. Não havia afetação, esforço aparente nem rebuscamento de efeitos por parte dessas talentosas artistas que embora tenham exibido seus melhores recursos, havia uma singeleza e facilidade, cuja ausência quebraria inteiramente o feitiço que lançaram em redor da cena.

É difícil falar sobre os detalhes da apresentação. Nos passos executados, cada qual em seu próprio estilo se mostra perfeita e só o gosto individual poderá decidir em favor de uma ou de outra. De nossa parte confessamos que nossa predileção pelo estilo peculiar, e nossa admiração pela dignidade, a confiança, e a delicada graça que caracterizam Taglioni e a bailarina que tão brilhantemente seguiu a mesma trilha Lucile Grahn, mas não nos impediram de apreciar calorosamente a timidez e os deslumbrantes passos de Carlota Grisi, ou os maravilhosos vôos ou saltos giratórios de Cerrito. Pela aparência nenhuma estava com inveja da outra. Todas as vezes em que uma chuva de flores era atirada após um solo todas vinham a frente ajudar a apanhar os ramalhetes, e tanto no sábado quanto na terça, Cerito ofereceu-se para coroar Taglioni com uma grinalda atirada em homenagem à rainha da dança.”


Já o critico do The Times na época, documentou a experiência da seguinte maneira “Quando o pano se levantou para o impossível Pas de Quatre, e entraram as quatro maravilhosas, numa só linha, de mãos dadas como em testemunho de amizade, o teatro explodiu num tumulto, não apenas de admiração mas também de espanto… Vieram todas a frente e cumprimentaram o público, e então, que pausa empolgante! O público inteiro mantinha -se na expectativa do que poderia acontecer em circunstâncias tão em paralelo, e os sentimentos partidários certamente agitaram-se em muitos peitos! Uma chuva de papeis amarelos caiu sobre a platéia provavelmente atirados da galeria. Continham um poema épico, uma ode ou um drama pastoral, em honra a ocasião, não podemos dizer, pois não tivemos a felicidade de apanhar nenhum.

Começou o movimento lento do pas, e as quatro damas fizeram uma série de formações, inigualáveis pelo gosto e elegância, geralmente ocupando Taglioni a posição central. Veio depois o movimento acelerado com as variações… agora era o caso de se decidir como cada uma faria valer sua própria força. Taglioni exibiu toda a sua maneira imponente, fiando-se muito daquele passo para frente (acho que falava dos arabesques) do qual acreditamos, foi a inventora, e nos assombrando por alguns de seus saltos Lucile Grahn, discípula da mesma escola, dançou com um desembaraço e vigor que patenteavam uma determinação de não se deixar ofuscar por suas competidoras mais velhas. Cerrito entrou no conjuro com aqueles passos giratórios (supostamente os grand jetés en tournant) que invariavelmente deliciam; e Carlota Grisi, formando um violento contraste, apresentou, com seu habitual fascínio, uma variação picantes de sedutora qualidade. Perrot, conduziu dos bastidores e podia ser visto do lado esquerdo. Os esforços das bailarinas foram secretamente igualados aos seus. Ele marcava o compasso, agitava-se, inquietava-se em angustia e zêlo. Nunca existira antes um pas como esse! O excitamento que uma competição tão extraordinária produziu nas artistas elevou- se a um grau de energia que seria impossível em outras circunstâncias, resultando em cada qual realizar o máximo, e o conjunto do espetáculo correspondendo totalmente a sua bela inspiração.

A manifestação de entusiasmo por parte da assistência foi pouco menos notável do que a demonstração de energia por parte das artistas. Todo o longo pas foi dançado ao som ininterrupto dos aplausos, que após cada variação, se avolumavam. Ramalhetes caiam de todos os pontos e o reverance acontecia praticamente em um diluvio de flores. As guirlandas e ramos de Cerrito foram mais do que ela podia carregar nos braços. Muitos dos ramalhetes desfaziam-se com a queda e espalhavam-se no chão, de modo que a frente do palco estava coberta de pétalas.”


Acredito que através desses comentários dê pra ter uma dimensão do sucesso que foi; e por fim outra curiosidade; com todo o sucesso Cerrito foi perdoada por um ataque de "prima-ballerina" quando por teimosia se recusou a usar uma guirlanda de rosas na cabeça, se apresentando com uma única flor no cabelo, exatamente como é retratada ainda hoje.

O pas de quatre foi revivido no mesmo teatro durante a temporada de 1847, sendo Lucile Grahn substituída por Carolina Rosati, e mais uma vez obteve triunfo. E logo assim foi no mundo inteiro fazendo parte do repertório, e de galas de importantes companhias.

Gala American Ballet Theatre, 1960 - a brasileira Ady Addor ao lado de Alicia Alonso, Ruth ann Koesun e Lupe Serrano

Um ballet que nasceu para ser a celebração do feminino, da graça, do romantismo e da trajetória de quatro grandes estrelas, se tornou muito mais do que isso. O Grand Pas de Quatre é um espetáculo que celebra a própria história e evolução do ballet clássico.

Ajoelhadas_ Tamara Capeller e Beatriz Consuelo. De pé_ Tatiana Leskova (ao centro) e Bertha Rosanova. Década de 50.
TMRJ - de joelhos Tamara Capeller, Beatriz Consuelo, ao centro Tatiana Leskova e Bertha Rosanova déc. de 50.

*Em 04 de junho de 1951 o Rio de Janeiro conheceu o Pas e Quatre numa coreografia de Keith Lester e figurinos de Chalon. Com a seguinte a interpretação Taglioni: Mary Ellen Novlan, Grisi: Lilian Lanese, Grahn: Paula Lloyd e Cerrito: Ann Koesun.


*Um dos textos pesquisados foi relatado quatro noites de espetáculos, como não tinha certeza dessa informação achei melhor não citar no texto.

E por fim algumas recomendações de videos; considero que assistir depois de ler sobre um ballet nos faz enxerga-lo com outros olhos.

Para assistir
Para comparar bailarinas diferentes em:

Variação de Fanny Cerrito https://www.youtube.com/watch?v=u0INTSNQR6U


Para rir:

Aproveitem, e me contem depois. Vou adorar saber!


referências bibliográficas: "The glories of romantic ballet book" | Homans, Jennifer "Os anjos de Apollo" | Fonteyn, Margot "The magic of Dance"| Levinson, André "Marie Taglioni" | Durante, Viviana "Ballet the definitive illustrated story.





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