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Corpo de bailarina? Entenda como surgiu este padrão e suas mudanças ao longo dos anos.

Atualizado: 30 de ago. de 2018


Todos sabemos da maior polêmica, discutida incansavelmente, no mundo do ballet: o padrão físico.

 O ballet evoluiu de tal forma em que o físico magro, longilíneo, sem curvas é privilegiado e preferido na maioria dos âmbitos, ainda hoje. Pequenas mudanças estão acontecendo, mas mesmo assim é possível encontrar inúmeros casos de repressão.


Vale lembrar, por exemplo, a polêmica que se deu em 2010, quando a bailarina do NYCB, Jenifer Ringer recebeu ácida critica dizendo que sua Fada Açucarada “parecia que tinha comido um pouco de açúcar demais”. * Quando confrontou as críticas, contou sobre sua luta contra anorexia no passado, e como a opinião alheia só tem poder sobre nós quando nós permitimos. Na mesma época, diversos canais de notícia, blogs e imprensa voltaram a discutir a controvérsia da extrema magreza vista no meio. Natalie Portman, que interpretou uma bailarina em “Cisne Negro” fez questão de ressaltar as duras dietas as quais se submeteu para igualar seu físico a aquele esperado de uma bailarina clássica, a atriz perdeu cerca de 10kg.



A construção e estabelecimento de um arquétipo


 Mesmo com o mundo em constante mudança, onde a beleza deixa de ser um padrão pré-estabelecido e o belo passa a ser o único e o individual, o ballet pede mais mudanças. Muitos coreógrafos e diretores de companhias alegam que se trata de uma visão estética: os palcos “pedem” corpos alongados, magros. Ainda existe uma pressão, mesmo que não escancarada como há décadas atrás, para que as bailarinas se preservem magras, muitas vezes magras demais, devido à rotina intensa de exercícios a qual se submetem.

 Mesmo bailarinas que já são geneticamente propensas ao físico mais esguio, tendem a chegar ao limite de seu peso, ou mesmo abaixo dele. Para muitas, é natural estar sempre com fome. “Se estou com fome, é porque estou em forma”, chegou a declarar uma bailarina. Pode-se dizer que em grande parte, o atual padrão físico esperado para uma bailarina clássica se intensificou quando George Balanchine, no auge da popularidade em meados da década de 1960, começou a dar preferência a bailarinas mais magras, longilíneas, que possuíam mais elasticidade, e que desafiavam os limites de seus próprios corpos.

Seu ideal eram coreografias explosivas, rápidas, seu lema era “estar pronto para o risco”.



Para isso, segundo sua visão, a bailarina deveria ser levíssima, ao mesmo tempo forte, porém sem que seus músculos ficassem expostos em demasia. Algumas de suas famosas musas, como Maria Tallchief e depois a jovem Susanne Farrell representam bem o tipo apreciado por Balanchine.

O coreógrafo, envolvido em várias polêmicas costumava passar a mão no torso das bailarinas em aula. Se sentisse suas costelas sem esforçoa bailarina estava na forma ideal.

 (Maria Tallchief e Susanne Farrell, respectivamente)



Nem sempre foi assim, no entanto.

 Quando o ballet tomou a forma clássica que chegou até nós, no começo do séc.19, o porte físico das bailarinas não poderia ser mais diferente do visto atualmente.

 Marie Taglioni, considerada a primeira “prima ballerina”, tinha um físico ideal para os moldes da época: formas arredondadas e suaves, pernas grossas de trabalho físico, que mostravam todo o acúmulo de exercícios em seus músculos. Era considerado bonito de se ver, na bailarina, todas horas de árduo trabalho que levavam a longas e extenuantes performances. Esse foi um padrão que perdurou fortemente durante todo o século XIX, até a estreia de Anna Pavlova nos palcos russos.

A partir daí, algumas coisas começaram a mudar.



Destacar-se sem pertencer ao padrão

 No início do séc. 20, Anna Pavlova tinha tornozelos finos demais e pés muito

arqueados, e lhe foi dito que ela não poderia se tornar bailarina profissional com tais atributos. Anos mais tarde, Pavlova veio revolucionar a imagem do ballet, com sapatilhas de ponta finíssima, que destacavam a leveza de sua estrutura, e é até hoje lembrada como uma das mais emblemáticas figuras da dança.

Sua “Morte do Cisne” é considerada uma das mais belas performances de todos os tempos. 


A dama Margot Foteyn foi uma grande revelação. Seus pés não possuíam o arco perfeito, e além de ser mais baixa que a média, a bailarina tinha pernas grossas e físicas mais musculosas, numa época em que já começavam a reinar as bailarinas mais magras. Seu físico a permitia ter mais força que outras colegas, e sua interpretação brilhante dos papéis que representou, fez com que ganhasse o título de “maior do mundo”!

  Sua memorável interpretação de Odette/Odille em “O Lago dos Cisnes” é até hoje usada como base de estudo para inúmeras bailarinas.


E não pense que padrões físicos ficam relegados somente às mulheres,mesmo que com certeza, elas sejam o grupo que mais sente na pele a pressão do meio da dança. Durante os anos 70, Mikhail Baryshnikov, nosso querido Misha, dançava na Rússia Soviética e era mais baixo e forte, que a maioria de seus concorrentes, ficando relegado a segundos-papéis por não ser bom partner para as altíssimas russas. Em meio a tantos bailarinos magros, longilíneos e altos, as piruetas e saltos impressionantes de Baryshnikov não bastaram. Foi somente quando pediu asilo político nos EUA que o fenômeno despontou para o mundo, e tornou-se o maior bailarino de sua época, forte, virtuoso e expressivo.



Atualmente, temos Ivan Vasiliev, no alto de seus 1,75m, com corpo musculoso, que chama a atenção por ser tão jovem, e tão primoroso. Longe do padrão de seus contemporâneos russos, o bailarino exibe musculatura proeminente, que permite saltos de alturas impressionantes, giros intermináveis, e muitos suspiros do público por onde passa.


Por outro lado, o francês Fabrice Calmels, primeiro-bailarino do Joeffrey Ballet de

Chicago, passou por inúmeras rejeições no começo da carreira, por ser alto demais. “Foi um inferno”, afirma o bailarino. Muitos disseram que procurasse outra carreira, e que seria impossível encontrar uma partner adequada para um bailarino de 1,98m. No entanto, Calmels continuou treinando, e dançando, até alcançar o posto principal da companhia nos EUA, e tornar-se um dos mais notórios bailarinos da atualidade.

Um pequeno fato: em 2014 o bailarino passou a integrar o Livro do Guiness de Recordes como o “mais alto bailarino profissional do mundo”.


 Maria Kotchetkova, como os colegas russos, encontrou prestígio apenas quando saiu de seu país de origem, pois seus 1,52m foram considerados poucos demais para que ela recebesse papéis de destaque. Mesmo em audições no EUA, Kotchetkova foi dita que era muito baixa. Mas ao vê-la dançar, diretores artísticos logo lhe ofereciam contratos. Hoje ela é primeira bailarina do San Francisco Ballet, e convidada do American Ballet Theater, além de ter retornado à Rússia para dançar diversos papéis que lhe foram negados no começo da carreira.

Esses brilhantes bailarinos são alguns casos que nos mostram que, apesar de tudo, é possível.

 O ballet pode ser cruel, mas, a passos de formiga, vem mudando suas perspectivas. O maior exemplo disso é a recém-promovida primeira bailarina do ABT, Misty Copeland!

 Começando a dançar tardiamente para a média, com 13 anos, Copeland ouviu recusas após recusas. Recebeu inúmeras justificativas: muito velha, torso muito largo, muito busto, pés finos demais, pernas musculosas demais, longas demais. Mesmo com a dor das críticas, a bailarina em nenhum momento desistiu de seus sonhos: depois de dançar no Harlem Ballet de Nova York, foi convida a juntar-se ao ABT, e em 2015, tornou-se a primeira afro- americana a subir ao mais alto ranking do American Ballet Theater, sendo que desde 2008 era a única afro-americana de toda a companhia. Além disso, em 2014, Copeland foi a primeira afro-descendente da história a representar o papel de Firebird, no clássico composto por Stravinsky, “O Pássaro de Fogo”. Com seu físico forte e mais curvas que a média, a bailarina vem quebrando paradigmas e padrões por onde passa. Tornou-se exemplo de determinação e perseverança para muitas outras aspirantes a bailarina, além de inspiração para o mundo todo. 



Um outro grande destaque na atualidade é Tamara Rojo. Ex-primeira bailarina do Royal Ballet, ela hoje é diretora artística do English National Ballet, e sua postura mostra que está aberta e quer mudanças. Já tendo sido chamada de “bailarina voluptuosa”, significando que não era das mais magras, Tamara diz que o ballet é muito mais que um corpo bonito.“Isso me entedia profundamente”. Quando se tornou diretora do ENB, Rojo contratou uma equipe de preparadores físicos, nutricionistas e fisioterapeutas especializados em atletas de elite.

“Os bailarinos precisam ser tratados como aquilo que são de verdade”.
Após uma apresentação em 2012, a audiência comentava que os bailarinos da companhia pareciam magros demais. Rojo então determinou que todos deveriam ganhar peso. “Quem assiste ballet hoje quer ver corpos saudáveis e fortes, e ainda assim existe a pressão para ser extremamente magro”, declarou a bailarina na época, em entrevista ao Daily Mail. A bailarina disse que não irá contratar para o ENB bailarinos abaixo do peso saudável, e também afirmou que ela mesma nunca foi extremamente magra, e que vai continuar seguindo esta linha. “Quero carreias longas e saudáveis para mim, e também para todos os outros”.

Encerramos o post com um vídeo de uma performance neoclássica lindíssima e super emocionante da bailarina francesa formada em Cuba, Adeline Pastor. Ela ficou conhecida pelo seu incrível poder de interpretação e pelas formas 

volupuosas, que a fizeram deixar a França ainda jovem.



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